50 anos da Palma de Ouro brasileira

Por Luiz Zanin, publicado em  O Estado de S. Paulo, em 24/05/12

Há exatos 50 anos o Brasil ganhava sua primeira – e até agora única – Palma de Ouro em Cannes. O principal prêmio, do mais badalado festival de cinema do mundo, foi atribuído a O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, em 1962.

Há fotos da equipe do filme chegando ao Brasil que parecem imagens da seleção brasileira voltando de uma conquista de Copa do Mundo. As imagens provam que o prêmio, até hoje o mais importante recebido por uma produção brasileira, produziram grande emoção nas pessoas.

Sentimento justificado pois a distinção conferida ao filme significava também o reconhecimento de um país jovem, que aspirava à projeção internacional. Naquela época, o Brasil desenvolvia uma atividade artística das mais significativas, com inovações na música (a bossa nova), no teatro, nas artes plásticas e no cinema. Era o momento em que nascia o Cinema Novo, o até hoje mais respeitado movimento cinematográfico do País, projetando nomes como os  Nelson Pereira dos Santos (o mais velho, patrono de todos e precursor), Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, e, em especial, Glauber Rocha, o mais inventivo, o mais provocador, o mais falastrão.

É, talvez, uma ironia que a Palma de Ouro tenha caído no colo de alguém que pouco tinha a ver com as novas ideias cinematográficas do País. Anselmo era um galã, vindo da chanchada e dos estúdios da Vera Cruz, que já havia dirigido um filme interessante, Absolutamente Certo, em 1957. Encantou-se com a peça de Dias Gomes na qual se conta a história do homem, Zé do Burro, que tenta entrar numa igreja católica para pagar uma promessa feita num terreiro de candomblé a Santa Bárbara para salvar seu animal de carga, atingido por um raio. Graça alcançada, Zé do Burro carrega uma cruz a para saldar a dívida com a santa. Mas o padre não permite a entrada. Essa negativa cria o impasse que dá o tom da narrativa.

Magnificamente interpretado por Leonardo Villar, Zé do Burro, com sua teimosia radical, conquistou Cannes de alguma maneira, ainda hoje misteriosa. Encenava o conflito entre a religiosidade popular e a religião oficial, mas também dramatizava a contradição muito aguda entre o Brasil real, pobre e explorado, e o Brasil oficial, representado na figura da Igreja católica. Nada disso escapava ao comunista Dias Gomes, autor da peça, e agudo observador da realidade nacional.

Para levar esse texto à tela, Anselmo usou uma dramaturgia clássica, que pouco tinha a ver com as inovações formais que estavam sendo preconizadas e testadas por Glauber & Cia. Valeu-se, além do intérprete principal de um elenco afinado, com Gloria Menezes e Norma Bengell, do excelente fotógrafo inglês Chick Fowle, trazido ao Brasil pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz. O Pagador de Promessas tinha, então, um padrão de qualidade técnica que não poderia ser criticado pelos europeus.

Tinha, além disso, um ar de Terceiro Mundo, que estava entrando na moda na parada de sucessos da intelligentsia internacional. O Brasil já era visto como país promissor, cheio de contradições sociais, que começavam a ganhar forma artística através de seus criadores. Estávamos ainda nos anos de ouro da década de 1960 e a ditadura não havia chegado, assim como as grandes obras do Cinema Novo – Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, Os Fuzis, de Ruy Guerra e Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos – que estavam em fase de gestação.

Disso tudo se beneficiou Anselmo Duarte, e seu produtor Oswaldo Massaini, para conquistarem a ambicionada Palma de Ouro – troféu que, mais tarde, foi morar na estante do diretor em Salto, no interior de São Paulo, sua terra natal.

Prêmios são assim. Às vezes, além do mérito intrínseco da obra, aproveitam-se de circunstâncias várias, como um determinado momento histórico, divisões internas do júri, simpatias ou antipatias. Seja como for, O Pagador de Promessas impôs-se a um júri que tinha François Truffaut entre seus integrantes, e concorria com filmes como O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, O Eclipse, de Michelangelo Antonioni, e Joana D’Arc, de Robert Bresson, hoje considerados obras-primas do cinema mundial.

Depois disso, o Brasil voltou várias vezes aos mais importantes festivais do mundo, inclusive com as obras consideradas máximas do Cinema Novo. Que foram reconhecidas e premiadas, mas não com a Palma de Ouro. Já faturamos dois Ursos de Ouro no concorrente de Cannes, o Festival de Berlim, mas, por enquanto a única Palma de Ouro brasileira continua a ser a de Anselmo Duarte.

Há meio século, “O Pagador de Promessas” ganhou a Palma de Ouro em Cannes

Por Marcelo Perrone, publicado em Zero Hora, em 23/05/12

Completam-se nesta quarta-feira exatos 50 anos daquela que permanece a maior conquista do cinema nacional: a Palma de Ouro que consagrou O Pagador de Promessas no Festival de Cannes, em 1962.

Por coincidência ou proposital arranjo dos organizadores, também neste 23 de maio será exibida na mais importante mostra competitiva de filmes do mundo uma produção brasileira que tenta repetir o feito: Na Estrada, de Walter Salles.

Diretor de O Pagador de Promessas, Anselmo Duarte (1920 – 2009) morreu reclamando a conquista histórica nunca foi devidamente valorizada no Brasil. Seu principal alvo eram os realizadores que, na mesma época, despontavam com o cinema novo e se alinhavam aos críticos que avaliavam ser O Pagador de Promessas um filme “à moda antiga”, que se contrapunha ao ventos da “modernidade” soprados pela nouvelle vague francesa.

A mitologia que envolve O Pagador de Promessas é temperada por exageros, vaidades, injustiças, doses de imaginação e um tanto de preconceito, com destaca em entrevista a ZH Leonardo Villar, protagonista do filme.  Segundo o ator, o preconceito se deu pelo fato de Duarte ser um popular galã de chanchada com pouca experiência na direção.

Com prestígio e recursos, o diretor convenceu o autor da peça, o dramaturgo Dias Gomes, a lhe vender os direitos de adaptação. Artista identificado com o pensamento de esquerda, Gomes contava a história de Zé do Burro, homem simples que cumpre uma jornada épica arrastando uma cruz – como a de Jesus – com o fim de pagar uma promessa numa igreja de Salvador. Em seu caminho, ele depara com a intolerância de um padre e oportunistas que querem se aproveitar de seu drama.

Além da força do texto original, Anselmo obteve um excelente desempenho tanto de Villar quanto Glória Menezes, que vive Rosa, mulher do protagonista – ambos eram atores consagrados no teatro estreando no cinema –,e moldou O Pagador de Promessas numa excelência técnica pouco comum no cinema nacional época.

Muito da implicância contra O Pagador das Promessas  é creditada ao fato de ele ter batido, em Cannes, filmes de diretores consagrados e queridos da crítica (veja no destaque) e, no Brasil, a disputa interna para representar o Brasil no festival com Os Cafajestes, de Ruy Guerra, um dos filmes embrionários do cinema novo. Disputada essa encarada como definidora dos rumos que o cinema nacional poderia tomar.

Anselmo cutucava os cinemanovistas dizendo que eles, apesar da badalação nos festivais internacionais, nunca igualaram seu feito. Esse folclore em torno de polêmicas e brigas não deve ser levado ao pé da letra. Glauber Rocha, por exemplo, em sua Revisão Critica do Cinema Brasileiro faz tantos elogios quanto reparos ponderados e pontuais ao filme e ao trabalho de Anselmo.

No campo da crítica, sim, posições mais inflamadas marcaram a recepção do filme. No Rio Grande do Sul, Tuio Becker  elogiou “o melhor filme filme nacional de todos os tempos (…). Vibrante, transbordante de humanismo e veracidade, realizado com um noção de estética cinematográfica poucas vezes vista e um elenco de méritos excepcionais”. Em São Paulo, entre os que não gostaram estava Jean-Claude Bernardet, que em um longo ensaio identificou que ao,contrário do que parece, o filme “faz uma exaltação à igreja”, “ficou preso ao estilo teatral”, “sofre de academicismo”  e mostra “falta de febrilidade, resultando num “filme artesanal bem feito, não chegando a ser expressão de artista”.

A conquista da Palma de Ouro teve como complemento consagrador a indicação, em 1963, ao Oscar de filme estrangeiro, no qual o vitorioso foi o longa francês Sempre aos Domingos, de Serge Bourguignon. A quem quiser rever ou conhecer esse clássico, o Canal Brasil, programou uma exibição de O Pagador das Promessas para as 22h desta quarta-feira.

Leonardo Villar e Glória Menezes falam sobre experiência de ganhar a Palma de Ouro com “O Pagador de Promessas”

Por Marcelo Perrone e Vanessa Franzosi, publicado em Zero Hora, em 23/05/12

Leonardo Villar – Foi memorável. Eu havia feito o papel do Zé do Burro no teatro. Estrear no cinema com um prêmio desta importância é inesquecível. Foi um grande empurrão na minha carreira. O que me marcou muito também foi a convivência com atores e diretores que eram ídolos do cinema, como Marcello Mastroianni e François Truffaut. Estávamos todos no mesmo hotel, e era comum nos encontrarmos no restaurante. Posso dizer que fiquei deslumbrado.

Glória Menezes – Foi meu começo, não sabia nem como fazer cinema. Depois de receber um prêmio de atriz revelação no teatro, em 1960, o Anselmo (Duarte) me convidou para o filme. Fui para fazer o papel da prostituta, e Maria Helena Dias faria o papel da Rosa. Mas ela pegou uma pneumonia. E as primeiras filmagens eram feitas à noite, o equipamento era todo alugado e tinha tempo para devolver, não dava para esperar ela melhorar. Então, eles pintaram meu cabelo, que eu estava loira, e, do dia para a noite, eu estava filmando.

Fico pensando, hoje, na responsabilidade que me deram. Eu tão crua, começando mesmo. Fui pela minha intuição e pelo que o Anselmo me dirigiu, e aprendi muito com ele. Ele entendia de cinema como ninguém. Então, fui para a Bahia assim e, quando me dei por conta, estava em Cannes.

A PALMA DE OURO

Villar – Quando nos preparávamos para a sessão de gala, à noite, já tinha o burburinho de que o filme tinha agradado e entrado na lista de favoritos. Lembro que estávamos reunidos no quarto do Anselmo, bebendo, e ouvimos gritos no corredor. Era alguém que vinha avisar que tínhamos ganhado a Palma de Ouro. Logo depois, na cerimônia de premiação, foi uma consagração. Todos aplaudiam de pé, inclusive o François Truffaut, membro do júri. Falavam que eu e Mastroainni, que estava em Divórcio à Italiana, podíamos ganhar como melhor ator, mas o júri optou por uma premiação coletiva. Sinceramente, um prêmio individual não me deixaria tão feliz como a conquista da Palma de Ouro. Minha vaidade, alimentei com críticas boas como a que o Truffaut escreveu nos Cahiers do Cinéma (o diretor francês colocou o brasileiro entre os grandes atores do mundo).

Glória – Houve uma apresentação à tarde. À noite, era a de gala. Na apresentação da tarde, fiquei surpresa que o público aplaudiu as cenas. Quando terminou, aplaudiram de pé. À noite, quando nós saímos da exibição, era um monte de gente pedindo autógrafos. No Brasil, eu tinha recém feito alguns trabalhos, não tinha esse reconhecimento. De repente, estava num festival importantíssimo, dando autógrafo. Foi uma emoção incrível.

IMPACTO NA CARREIRA

Villar – Recebi sondagens para trabalhos fora do Brasil, mas nada mais que isso. Eu tinha uma carreira muito sólida aqui. Trabalhar no Exterior era uma aventura, e é ainda hoje. Tem de ter um bom agente, tem o problema da língua. Gosto de fazer cinema. E por muito tempo tentei conciliar com o teatro e a televisão. Mas, no Brasil, cinema e teatro são luta, e televisão é sobrevivência. Meu último trabalho no cinema foi Chega de Saudade. Na televisão, foi a novela Passione. Recebo convites para atuar, mas não tenho muita disposição. Tenho alguns incômodos e limitações. Para atuar, preciso sentir prazer. Se eu receber um convite irresistível, vou até de muletas (risos).

Glória – Na volta ao Brasil, fomos recebidos com bandeirinha na rua, em cima de um caminhão de bombeiros. O público reconheceu, aplaudiu tanto, foi muito bonito. Foi um estímulo muito grande nesse meu início de carreira. Dificilmente, um ator ou uma atriz têm um começo assim. Recebi convites para trabalhar no Exterior. Mas não tinha a menor possibilidade porque eu já tinha dois filhos, estava me separando do meu primeiro marido, tinha muitas responsabilidades aqui no Brasil. Não deu nem para pensar em ficar por lá. E acho que fiz bem, porque meu sucesso foi aqui.

O LEGADO

Villar – Acho que houve preconceito de algumas pessoas no Brasil pelo fato de Anselmo ser um grande galã do cinema popular e só ter feito um filme antes, a chanchada Absolutamente Certo. Muita gente não entendeu como ele foi lá e fez O Pagador de Promessas, filme tecnicamente muito bem realizado, com bom ritmo de interpretações, e que ainda ganha a Palma de Ouro. Se o filme fosse feito com os recursos de hoje, poderia ser melhor na questão do som, já que teve de ser dublado. É um filme que permanece vivo e atual. Quanto à questão da rejeição pelo pessoal do cinema novo, para mim não existe cinema novo nem cinema velho, existe cinema. Os grandes filmes da história são os que sobrevivem a modismos e cultos. São os filmes normais, bem feitos.

Glória – Acho que o filme fez muito sucesso porque é épico. Não tem moda de roupa, de cabelo, ele não ficou datado. É um cinema moderno, ágil. Tinha uma câmera sempre em movimento. E fico imaginando como eu iria reagir se fosse convidada para fazer com a minha experiência de hoje. Quando vejo O Pagador de Promessas, e aparece todo o povo na escadaria, custo a me encontrar. Não estava preparada para fingir que eu era a Rosa. Fui de corpo e alma com a Rosa, sem pensar se iria fotografar bem ou não.

Zero Hora conversou com os dois protagonistas de O Pagador de Promessas. Leonardo Villar, 87 anos, falou por telefone, do Rio, onde mora. Glória Menezes, 77, encontrou a reportagem em sua passagem por Gramado, no fim de semana. Ambos eram estreantes em cinema quando estrelaram o filme que ostenta o mais importe prêmio já conquistado por uma produção brasileira, a Palma de Ouro do Festival de Cannes.

François Truffaut e a Palma de “O Pagador”

Por Sérgio Rizzo, publicado em Ultrapop , em 24/05/12

Até o “Jornal Nacional” registrou ontem o cinquentenário da Palma de Ouro de melhor filme concedida a O Pagador de Promessas, produzido por Oswaldo Massaini e dirigido por Anselmo Duarte, com base na peça de Dias Gomes. A cerimônia de encerramento e premiação do Festival de Cannes de 1962 foi realizada em 23 de maio.

Outros prêmios foram recebidos por brasileiros em Cannes, antes e depois, como o de melhor filme de aventuras para O Cangaceiro (em 1953), de melhor direção para Glauber Rocha (em 1969, por O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro) e de melhor atriz para Fernanda Torres (em 1986, por Eu Sei que Vou te Amar).

Nenhum desses prêmios se compara à Palma de Ouro de melhor filme, claro, e por isso a equipe de O Pagador foi recebida em desfile de rua quando voltou ao país, como as seleções de futebol que conquistaram as cinco Copas do Mundo.

A mostra competitiva de Cannes em 1962 exibiu 34 longas (no festival deste ano, em andamento, são apenas 22). Basta conferir os demais premiados para ter ideia da concorrência de peso enfrentada por O Pagador.

O prêmio especial do júri, uma espécie de vice-campeonato em festivais, foi dividido por O Processo de Joana D’Arc, do francês Robert Bresson, e O Eclipse, do italiano Michelangelo Antonioni — dois dos principais cineastas europeus do século 20.

Outro monstro do cinema, o espanhol Luís Buñuel, recebeu o prêmio da crítica por O Anjo Exterminador. O grego Michael Cacoyannis ficou com o prêmio de melhor adaptação — e dividiu ainda, com outros dois longas, o prêmio da Comissão Superior Técnica — por Electra.

O prêmio de melhor comédia foi para Divórcio à Italiana, do italiano Pietro Germi. Longa Jornada Noite Adentro, do norte-americano Sidney Lumet, recém-lançado em DVD no Brasil, recebeu um prêmio de interpretação para os quatro atores principais (Katharine Hepburn, Ralph Richardson, Jason Robards e Dean Stockwell).

Outro prêmio de interpretação foi concedido aos dois atores principais de Um Gosto de Mel, do inglês Tony Richardson (Rita Tushingham e Murray Melvin).

De mãos abanando, saíram diretores de primeira linha como o norte-americano John Frankenheimer (Juventude Selvagem), o austríaco — radicado nos EUA — Otto Preminger (Tempestade em Washington), a francesa Agnès Varda (Cléo das 5 às 7), o indiano Satyajit Ray (A Deusa) e o inglês Jack Clayton (Os Inocentes).

Em 1962, o júri que definiu os prêmios de longas teve 11 integrantes (em 2012, são apenas nove). O presidente foi o escritor japonês Tetsuro Furukaki. Entre seus colegas, estavam alguns diretores: o francês François Truffaut, o polonês Jerzy Kawalerowicz e o italiano Mario Soldati.

Foi Truffaut, aliás, quem fez circular a versão de que O Pagador teria sido escolhido para apaziguar as diferenças entre os jurados, divididos entre os filmes de Buñuel, Antonioni, Cacoyannis, Germi e Bresson.

Truffaut, de acordo com o próprio, teria sugerido premiar o filme brasileiro por sua “simplicidade e força temática”, com o objetivo de estimular uma cinematografia emergente do Terceiro Mundo.

Essa história é recontada pelo cineasta Walter Lima Jr., com as palavras acima, no livro “Viver Cinema”, de Carlos Alberto Mattos.

Não sobrou ninguém para falar hoje do episódio: a última sobrevivente do júri de Cannes em 1962, a atriz francesa Sophie Desmarets, morreu em 13 de fevereiro passado, aos 89 anos.

Disputas por direitos marcam a comemoração dos 50 anos da Palma

Por Paulo Henrique Silva, publicada no jornal Hoje em Dia, em  02/04/12

O que era para ser só festa ganha outros contornos com as disputas por direitos autorais e de comercialização que marcam o aniversário de 50 anos da conquista da Palma de Ouro no Festival de Cannes pelo filme O Pagador de Promessas, o prêmio mais importante recebido por uma produção brasileira. Até mesmo o único diploma concedido a um filme da América do Sul pelo tradicional festival francês é hoje motivo de briga entre os herdeiros do diretor Anselmo Duarte e do produtor Oswaldo Massaini.

O cabo de guerra prejudica em boa parte a programação que celebraria a façanha, ocorrida em 23 de maio de 1962. Um dos projetos, envolvendo a restauração do filme, está parado devido ao impasse. Ricardo Duarte, filho de Anselmo, não conseguiu autorização da Cinemateca Brasileira para retirar a cópia do filme de seus depósitos climatizados e iniciar a recuperação, porque nos registros constam que o filme é propriedade da Cinedistri (hoje Cinearte), comandada por Aníbal Massaini.

“É a primeira vez que digo isso em público: pouca gente sabe que meu pai é coprodutor do filme, com 50% dos seus direitos. Como meu pai não era uma pessoa vaidosa, o Oswaldo pediu a ele que só colocasse o nome como diretor, por já ter bastante notabilidade. Assim, nos créditos só aparece Oswaldo como produtor. Localizei o contrato e já entrei com processo na Ancine (Agência Nacional de Cinema) para reparar essa injustiça e poder restaurar a obra do meu pai”, afirma Ricardo.

Aníbal já recebeu ofício da Ancine sobre a mudança nos registros, mas alega que o contrato de produção ainda assim não permite que Ricardo inicie o projeto. “A empresa responsável pelo planejamento e distribuição é exclusivamente a Cinedistri. A titularidade do filme é nossa. Embora tenha participação societária, isso não outorga a Anselmo e seus herdeiros os direitos que são exclusivos nossos. Ricardo apenas quer locupletar-se com o filme”, acusa o produtor.

Embora admita que os direitos de comercialização pertençam à Cinedistri, o herdeiro salienta que seu projeto não tem caráter comercial, prevalecendo apenas o desejo de restauração. Com R$ 500 mil aprovados pela lei estadual de incentivo ao cinema, de São Paulo, a intenção de Ricardo é, segundo ele, tornar o filme disponível em novas mídias (DVD e blu-ray) e distribuir dez mil cópias gratuitamente em bibliotecas, cineclubes e entidades culturais. “Não quero fazer dinheiro com isso”, garante.

Ricardo estuda entrar na Justiça e requerer a prestação de contas que o contrato exige pela comercialização do filme e que, segundo ele, jamais foi feita. “O contrato diz que é obrigação da distribuidora prestar contas mensais, mas eles não fazem nem mesmo as mensais. O Canal Brasil, em que Aníbal seria um dos sócios, exibe os filmes do meu pai e nunca recebemos nada por isso. Vamos ver qual é a melhor estratégia para fazer uma auditoria plena e sermos ressarcidos”, salienta.

O produtor explica que a cessão para exibição no Canal Brasil é por tempo e que a prestação de contas já teria sido realizada com o pai dele ainda em vida. “Quando expirar o termo de vigência dessa cessão ou ocorrer outro tipo de exibição, um relatório será feito para a realização da partilha. Mas o Ricardo está tão desesperado que deveria ter nos notificado de que as eventuais receitas do filme deveriam ser prestadas ao espólio de Anselmo Duarte e que o inventariante seria fulano de tal. Nunca recebemos nenhum documento dele”.

Disputa pelo troféu

No ano passado, após a exposição da Palma de Ouro no Festival de Gramado, ele teria enviado carta a Ricardo reclamando do fato de o prêmio ter sido doado, em comodato, ao Centro Cultural Anselmo Duarte, em Salto, cidade do interior paulista onde o diretor nasceu. Aníbal observa que uma cláusula no contrato, acrescida em agosto de 1962, estipulou que todos os prêmios conquistados que não fossem nominais pertenceriam igualmente a Anselmo e Oswaldo.

“O Ricardo não tem a integral propriedade sobre a Palma, porque é de ambos e somente as duas partes podem decidir onde ela deve ficar”, justifica Aníbal. O filho de Anselmo contra-ataca dizendo que “um fato inconteste é que Cannes é um festival de autor e que a Palma sempre é entregue ao diretor do filme. Conseguimos uma declaração da direção do festival e ela foi claríssima, dizendo que os produtores não são convidados. Só paga as despesas de hotel e viagem para diretor e elenco”.

Ricardo prossegue ressaltando que, “mesmo se não tivéssemos direito sobre o certificado, a lei diz que quem o detém por mais de cinco anos passa a ser dele. É o chamado uso capião de bem móvel”. Aníbal declara que a opinião de um festival não pode se sobrepor a um contrato adotado pelas duas partes e lamenta que as ações de Ricardo, observando que seu pai sempre foi generoso com Anselmo. “Oswaldo foi um pai para ele, empatando recursos para que ficassem em sociedade”.

Aníbal lembra que cada sócio teria que dar Cr$ 5 milhões para a produção, mas que Anselmo só entrou com Cr$ 1,5 milhão. Os outros Cr$ 3,5 milhões sairiam de um financiamento específico prometido pelo então presidente Jânio Quadros. “Só que Jânio renunciou em seguida. O que Oswaldo fez? Emprestou o dinheiro para descontar nas futuras receitas. Ele entrou com Cr$ 10 milhões para que ele ficasse sócio dele, com 50%. Distribuímos mais de 300 longas-metragens e temos uma trajetória impoluta”, enfatiza o produtor.

Ricardo parece determinado a recuperar todos os direitos do filme. “Meu pai era um artista, um homem com a cabeça virada para questões culturais e artísticas. Não se preocupava com dinheiro, não era materialista. Deixou quatro filhos (Ricardo é filho do primeiro casamento, com Myrthes, falecida em fevereiro) e temos nossos direitos. Não é uma questão financeira, mas sim moral”, alega Ricardo. “Três anos depois da morte do pai, que nunca contestou os direitos de comercialização do filme, ele quer mudar as regras do jogo. Só quer aparecer”, defende-se Aníbal.

Documentários sobre Massaini e Anselmo

Os filhos de Anselmo Duarte e Oswaldo Massaini desenvolvem projetos de documentários sobre seus pais. Aníbal prepara Oswaldo Massaini, uma Paixão pelo Cinema, que mostrará a trajetória de um dos mais importantes produtores do país, mostrando desde o seu início no cinema, como funcionária de uma distribuidora de filmes brasileiros, em 1937.

Ele começou a atuar na área de produção em 1950, com Ruas Sem Sol, assinando mais de 60 filmes nessa função, além de ter trabalhado com outros filmes apenas como distribuidor. Aníbal já colheu diversos depoimentos, entre eles uma das últimas entrevistas concedidas pelo comediante Chico Anysio, que escreveu roteiros para Oswaldo.

Em relação a O Pagador de Promessas, o filme terá imagens da chegada da equipe ao porto de Santos, quando foi recebida por centenas de pessoas. “Como Anselmo tinha medo de avião, voltaram de navio, dois meses depois de recebido o prêmio. Apesar desse tempo, os ânimos não se arrefeceram, com o povo recebendo-os com entusiasmo”, destaca Aníbal.

Ricardo Duarte está captando recursos para dirigir Palmas, a Palma é nossa!, que terá depoimento de Anselmo, técnicos e atores que participaram do filme. “Quando percebi que papai já estava bastante doente, reuni uma equipe e colhi dois dias de entrevistas com ele. A memória já estava prejudicada, devido ao Mal de Alzheimer, mas como eu sabia de todas as histórias dele, dava o gatilho para ele relembrar das situações”, conta.

Ele destaca que, no final da vida, Anselmo já não tinha mais aquela acidez da juventude. “Estava mais paciente e gostava de lembrar que as pessoas que falaram mal dele foram até ele para pedir desculpas, reconhecendo a sua genialidade”, afirma. O diretor foi muito combatido após a conquista da Palma de Ouro, especialmente pelo grupo do Cinema Novo.

O jornalista Oséas Singh Jr., autor da biografia “Adeus Cinema”, publicada em 1993, lembra que Anselmo sempre foi uma pessoa difícil e que tinha um grande complexo de inferioridade por não ter formação acadêmica. “Os cinemanovistas tinham em sua maioria e ele se ressentia disso. Não percebia que sua formação, na prática, era mais sólida de que muitos teóricos”.

Singh recorda que ele passou a renegar o seu passado de galã da Vera Cruz, por achar que seus trabalhos como ator poderiam comprometer a imagem de diretor talentoso. Na época do lançamento do livro, o autor viajou o Brasil inteiro ao lado de Anselmo. “Ocorreram episódios engraçados, como a vez que fomos a Porto Alegre e, devido a um erro de divulgação, não havia ninguém na livraria”.

Sobre O Pagador de Promessas, o livro enaltece a vitória sobre produções de diretores consagrados, como Federico Fellini, Luis Buñuel, Vittorio de Sica e Michelangelo Antonioni. “Havia um embate violento entre franceses e italianos em Cannes. Era como Brasil e Argentina no futebol. O filme de Anselmo caiu como uma luva, mostrando que havia um bom cinema feito em outros lugares do mundo”.

Baseado em texto de Dias Gomes e filmado na Bahia, o filme tem no elenco Leonardo Vilar, Glória Menezes, Antônio Pitanga, Othon Bastos, Norma Bengell e Dionísio Azevedo. Com imagens em preto e branco, mostra a história de um homem que tenta pagar promessa na Igreja de Santa Bárbara depois que seu burro sobrevive a um raio. O impedimento do padre cria o caos na cidade.

Onde foi parar a Palma de Ouro brasileira?

Por Luciano Ramos, do Programa Cinema Falado

Há exatamente meio século, em 19 de maio de 1962, a três dias do encerramento da sua mostra competitiva, o Festival de Cannes exibia O Pagador de Promessas. O diretor do filme Anselmo Duarte tremia dos pés à cabeça, mas todo o nervosismo se dissipou com os aplausos do público que bradava em coro “le grand prix, le grand prix!” E a angústia se transformou em euforia quando, ao olhar para o camarote do júri, Anselmo viu o seu presidente François Truffaut gritando para a tela “très bien, très bien!” Naquele momento, esse elogio público lhe valeu como antecipação da Palma de Ouro – a única que o cinema brasileiro receberia até os dias de hoje. Curiosamente, seis anos antes, no número 31 da revista Cahiers du Cinéma, lançado em janeiro de 1954, o crítico Truffaut e futuro diretor de Os Incompreendidos publicava o artigo “Uma certa tendência do cinema francês”, no qual inaugurava a trajetória da chamada politique des auteurs − ainda que, em 1948, Alexandre Astruc já tivesse introduzido na revista L´Écran Française a idéia de que o diretor seria o “único progenitor” de um filme. Naquela época um conjunto de textos críticos como os de Truffaut e Jacques Rivette fundamentaram e difundiram a crença na diferenciação fundamental entre o auteur (autor) e o metteur en scène (encenador) no fazer do cinema.

Para muita gente isso era um exagero porque, na verdade, qualquer filme resulta do trabalho de várias pessoas em conjunto. Tanto que o próprio editor do Cahiers, André Bazin reconhecera que “… não pode haver uma crítica definitiva do gênio ou do talento, que não leve em conta o determinismo social, a combinação histórica das circunstâncias e o embasamento técnico que em grande medida o determinam”. Em seguida, porém, o crítico americano Andrew Sarris ajudaria a transformar a “teoria do autor” num verdadeiro culto à personalidade de determinados “cineastas”. Em 1962 − ano em que o paulista Anselmo Duarte seria entronizado no mesmo altar em que já se venerava Fellini, Antonioni, Buñuel e tantos outros – Sarris alfinetava Bazin no ensaio Notes on the Auteur Theory: “se os diretores e outros artistas não podem ser arrancados de seus ambientes históricos, a estética fica reduzida a um ramo subordinado da etnografia”. Aceitar integralmente esse ponto de vista, no entanto, significaria reduzir a história do cinema a um mero relatório de diretores (promovidos à condição de autores) e suas obras.

“O vencedor da Palma de Ouro é o brasileiro Anselmo Duarte!” Com esse anúncio, o locutor do Festival de Cannes já exprimia um consenso que implicava em desconsiderar não apenas os demais artistas participantes na elaboração da obra premiada, mas todo o contexto social e econômico que possibilitou a sua feitura. Um festival de cinema não é como um torneio de artes marciais, no qual todos os competidores se enfrentam e apenas um sai vitorioso. Na realidade, quem vence aquele tipo de disputa é toda a equipe do filme, representando ali o ambiente cinematográfico a que ele se refere. O nome do diretor, no caso, aparece apenas para dar uma identidade individual a todo esse contingente de pessoas e elementos culturais. Ironicamente, hoje em dia é a própria grande indústria cinematográfica que cuida com todo o carinho dessa noção de autor, utilizando-a como elemento de marketing no lançamento de seus produtos mais sofisticados. Não há dúvida de que Meia Noite em Paris só poderia ser concebido por Woody Allen. Mas será que Rob Marshall pode ser designado como autor do último exemplar da série Piratas do Caribe?

Em termos concretos, o episódio da conquista brasileira em Cannes em 1962 resultava historicamente de uma escalada quantitativa e qualitativa, em matéria de produção de cinema no Brasil. No mercado exibidor, os filmes nacionais desfrutavam uma posição até melhor do que a atual − principalmente por conta do apoio num “sistema de estrelas” que fora germinado no rádio e do qual a televisão ainda não tinha se apropriado. Do ângulo financeiro, a tentativa de instalar em São Paulo estúdios tipo “fábricas de filmes” − imitando Hollywood, como a Vera Cruz − não fora bem sucedida. Ainda assim gerou o primeiro título nacional a ser amplamente divulgado e aplaudido no exterior: O Cangaceiro, de 1953, dirigido por Lima Barreto que, por sinal, nunca foi considerado um autor de cinema e terminou a vida esquecido num asilo. Além disso, muitos dos técnicos e artistas europeus reunidos na Vera Cruz pelo cenógrafo e documentarista internacional Alberto Cavalcanti permaneceram aqui no país e agregaram know how e repertório cinematográficos às nossas produções. Inclusive no caso do próprio O Pagador de Promessas − como, por exemplo, o fotógrafo Chick Fowle − e de outros títulos produzidos por Oswaldo Massaini. Esse, aliás, foi o caldo de conhecimento em que Anselmo se formou antes de seu primeiro trabalho como diretor: Absolutamente Certo (1957), outra realização da empresa Cinedistri, de Massaini.

Dos anos de 1960 em diante, os integrantes do cinema-novo abraçaram inteiramente a “teoria do autor”. Esta, no entanto, foi retrabalhada por Glauber Rocha de maneira a excluir o chamado “cinema industrial” direcionado para o mercado, reservando-a para o “cinema independente” e soi disant revolucionário. Glauber opunha as tríades “autor, cinema independente e revolução” a “artesão, cinema industrial e conformismo”. Apesar de ungido como autêntico autor, no coração da Meca do “cinema de arte”, por um dos pais da política dos autores em pessoa, após sua volta ao Brasil Anselmo Duarte não conseguiu se situar em nenhum dos lados nessa dicotomia acima resumida. Duas décadas depois do triunfo com O Pagador, era compreensível que ele acumulasse frustrações e ressentimentos por ter sido hostilizado ou mal aproveitado por ambos os componentes daquela inequação. Ou seja, um resultado de 9 títulos como diretor, sem aprovação de público nem de crítica − descontando o excelente Veredas da Salvação (1965), injustamente mal recebido pelos comentaristas da época em que foi lançado. Então, em 12 de agosto de 1980 Anselmo pediu emprestados o diploma e o troféu e nunca mais os devolveu a Massaini, guardando-os consigo até morrer em 7 de novembro de 2009.

Em seguida, seu filho Ricardo Duarte doou a relíquia à cidade de Salto, onde o diretor nascera em 1920. E assim, noventa anos mais tarde, em abril de 2010, aquele município inaugurava um teatro chamado Centro de Educação e Cultura Anselmo Duarte e nele instalou a Sala Palma de Ouro, local onde ela se encontra agora em exposição pública. Na cerimônia de inauguração, Ricardo Duarte declarou: “Meu pai sempre dizia que a Palma é dada ao país e não ao diretor, por isso ela é nossa”. Do ponto de vista jurídico, no entanto, essa questão ainda se encontra em aberto, aguardando uma decisão judicial. Embora, de acordo com o regulamente de Cannes até 1965, a Palma era destinada ao produtor e não para o diretor, que concorria a prêmio específico. No entanto, o crítico Jean-Claude Bernardet lembra que “o Massaini sem o Anselmo talvez não tivesse feito O Pagador, mas o Anselmo sem o Massaini também não. Agora, nenhum dos dois teria feito o filme sem o Dias Gomes”.

Na verdade, a menção ao dramaturgo Dias Gomes como um dos “pais da criança” poderia ser estendida a Flávio Rangel, que dirigira o texto no teatro; a Carlos Coimbra, que montou o filme; a Chick Fowle que o fotografou e ao ator Leonardo Vilar, que deu corpo e alma ao personagem. Aliás, Anselmo dizia que Massaini chegou a pensar no cômico Mazzaropi como protagonista. Por sua vez, Dias Gomes preferia que o próprio Flávio Rangel dirigisse o filme. Chegamos assim à premissa óbvia de que os filmes são criações coletivas e, na maior parte das vezes, o diretor é apenas o capitão do time. Ou quem sabe esse papel preponderante de líder seria, em última análise, do produtor?

Autor de Cinema Brasileiro – Propostas Para Uma História, Jean Claude Bernardet lembra que “é necessário compreender as estruturas de produção para entender a história do cinema” e, no depoimento para um documentário sobre o realizador de O Pagador de Promessas, observa que “atualmente, o produtor é considerado um instrumento do diretor. Mas não esse era o caso do Massaini. Era ele quem fazia a proposta do projeto. Quer dizer, ele era o proponente. A partir de certo momento na história do cinema brasileiro, o diretor vira seu próprio produtor, ainda que não se comporte essencialmente como tal… E julga que o produtor precisa ficar a reboque dele enquanto diretor. Essa, porém, não era a atitude do Massaini”.

De fato, segundo o produtor Luis Carlos Barreto, “Massaini se envolvia com o projeto em todos os aspectos. Participava das ideias do roteiro, do set de filmagem, da divulgação do filme e da elaboração das peças de publicidade. Portanto, atuava nos níveis criativo, financeiro, administrativo e comercial”. Da outra extremidade da cadeia produtiva, a atriz Dercy Gonçalvez (Rio de Janeiro, 1907-2008) também ofereceu o seu depoimento: “Fazia-se cinema bom, com muito pouco dinheiro. Era uma luta danada pela sobrevivência. Às vezes, na hora do almoço a produção mandava todo mundo embora, pra comer em suas casas. O Massaini e Watson Macedo não tinham patrocínio, não tinham quem ajudasse. Faziam com o dinheiro deles, ou até mesmo sem dinheiro, numa dificuldade danada. Esses são os verdadeiros homens do cinema: eram heróis e imprensa ainda metia o pau”.

Após a morte de Massaini em 25 de maio de 1994, a Cinemateca Brasileira organizou um ciclo de 11 filmes produzidos por ele e, a propósito do evento, o crítico Inácio Araújo declarou que “é uma formidável ocasião para aprofundar uma questão que até hoje o cinema brasileiro deixou de lado: a arte de produzir.” Já naquela época, o jornalista da Folha de São Paulo assinalava que “à força de serem negligenciados os produtores desapareceram… mas a questão permanece: reciclar o papel do produtor, promover o seu convívio com um cinema em que o diretor tornou-se autor e principal estrela, encontrar o equilíbrio entre concepção artística e comércio são aspectos para os quais a cinematografia ainda não encontrou respostas convincentes. Uma função central que o cinema brasileiro negligenciou a muito tempo. Talvez por isso esteja na tanga em que está.”

Apesar das diversas e severas restrições à noção de autor no cinema, ainda hoje ela continua sendo considerada por muitos como uma instância determinante, pairando soberana acima até da esfera econômica. No fundo, a exposição desse conflito entre produtor e diretor em função da “posse” da Palma de Ouro serve aqui para defender a necessidade de levantamentos históricos mais detalhados e de uma reflexão mais aprofundada acerca da história da produção e da comercialização de filmes em São Paulo.

2 comentários sobre “50 anos da Palma de Ouro brasileira

  1. Entre todas as conquistas do cinema brasileiro, o Pagador de Promessas veio enaltecer de forma definitiva o talento dos artistas de nossa terra. Louve aqui e consagre-se um voto de louvor ao inesquecível Anselmo Duarte, hoje, repousando em Paz, pela missão cumprida. Se o cinema chora sua ausência, rejubila-se, por outro lado, em ter o seu nome gravado entre os imortais do planeta na área cinematográfica.

  2. Temos tentado conseguir o contato de alguém que possa nos ajudar a chegar perto de alguém ligado ao Cineastra do Pagador de Promessa pois iremos assumir a Igreja onde foi realizado o Filme e temos o projeto de criar nela o Memórial e perpetuar o nome e obra do autor.Grato ir.Jorge(mendes.guedes@ig.com.br)

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